Cerca de 563 trabalhadores submetidos a condições degradantes foram resgatados em uma obra de usina de etanol localizada na zona rural do município de Porto Alegre do Norte, a cerca de mil quilômetros de Cuiabá.
A ação foi deflagrada após um incêndio destruir o principal alojamento dos operários no dia 28 de julho. O fogo, segundo apuração dos auditores-fiscais do Trabalho, teria sido provocado por trabalhadores em protesto contra a ausência de energia elétrica e água potável. A situação escancarou as condições desumanas vividas por centenas de trabalhadores, muitos deles vindos do Piauí, Maranhão e Pará, atraídos por falsas promessas de emprego.
Alojamentos superlotados e jornadas exautivas
Durante a inspeção, foram encontrados alojamentos superlotados, com quartos de 12 m² abrigando até quatro pessoas, sem ventilação, climatização ou condições mínimas de higiene. Após o incêndio, parte dos operários foi realocada para casas e hotéis em cidades vizinhas, mas muitos continuaram dormindo no chão, sem camas, roupas de cama ou local para guardar seus pertences. Muitos perderam todos os bens pessoais no incêndio.
Os trabalhadores relataram jornadas exaustivas, com trabalho contínuo por várias semanas, incluindo domingos, sem qualquer folga. Promessas de horas extras bem remuneradas não foram cumpridas. Além disso, diversos feridos no incêndio não tiveram Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) emitidas, dificultando o acesso a benefícios previdenciários.
Imagem: MTE
A fiscalização identificou um esquema de aliciamento com características de servidão por dívida e indícios de tráfico de pessoas. Diante da dificuldade de encontrar mão de obra local, a empresa recorreu ao uso de carros de som e mensagens em grupos de WhatsApp para recrutar trabalhadores em outros estados, prometendo altos salários e pagamentos extras.
Em alguns casos, trabalhadores pagaram atravessadores para garantir uma vaga na obra e custear transporte e alimentação. Em outros, mesmo quando a empresa arcou com os custos da viagem, o valor foi integralmente descontado do salário uma prática ilegal que transfere os riscos do empreendimento ao trabalhador.
Um “ponto paralelo”, conhecido como “ponto 2”, também foi identificado. Ele registrava horas extras não contabilizadas oficialmente, com pagamentos feitos em dinheiro ou cheque, sem qualquer recolhimento de FGTS ou INSS.
Com base nas evidências, os auditores classificaram o caso como trabalho análogo à escravidão, conforme previsto nos artigos 149 e 149-A do Código Penal Brasileiro e na Instrução Normativa nº 02/2021 do MTE.
A empresa responsável firmará um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), comprometendo-se a:
Custear transporte e alimentação para o retorno dos trabalhadores aos seus estados de origem;
Devolver os valores indevidamente cobrados pelas viagens;
Pagar R$ 1 mil a cada trabalhador como compensação pelos bens perdidos no incêndio;
Quitar verbas rescisórias, horas extras devidas, FGTS e demais indenizações.
Além disso, os resgatados terão direito ao seguro-desemprego especial e serão acompanhados pelo Projeto Ação Integrada (PAI), que oferece qualificação profissional e apoio à reinserção no mercado de trabalho.
Como denunciar
Casos de trabalho análogo à escravidão podem ser denunciados de forma anônima pelo Sistema Ipê, disponível no site: https://ipe.sit.trabalho.gov.br.
Outra opção é o Disque 100, que funciona 24 horas por dia, inclusive em feriados, com atendimento por telefone, WhatsApp, Telegram e videochamada em Libras.
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