Quarta, 24 de dezembro de 2025, 08:17
Notas de Sabor

A Saga do Salpicão: Entre Críticas Internacionais e o Coração da Ceia Brasileira

Prato símbolo da ceia natalina, o salpicão reacende o debate sobre culinária afetiva, identidade e pertencimento cultural

Todo Natal tem seus clássicos! Aqueles pratos que, mais do que receitas, carregam memória, afeto e identidade em cada garfada. E quando perguntei nos stories quais não podem faltar na ceia, a resposta foi praticamente unânime: É claro que estamos falando do famoso Salpicão! Essa tradicional salada de frango brasileira combina frango desfiado macio com vegetais crocantes, frutas adocicadas e uma maionese super cremosa. O resultado é um prato refrescante, perfeito para os dias quentes, que, com seu delicioso contraste de texturas e sabores, torna-se um sucesso garantido em qualquer reunião familiar. Um clássico indispensável, não é?

Amado por muitos e adaptado em cada lar, o salpicão ocupa um lugar peculiar na gastronomia brasileira. Ele não aspira ser sofisticado, autoral, tampouco segue uma cartilha técnica rígida. Contudo, talvez seja justamente por essa simplicidade que ele se torna tão simbólico: é um prato de união, de aproveitamento – ou mesmo reaproveitamento – inteligente, de mesa farta e de família grande.


Foto: Amandha SilveiraRecentemente, no entanto, o salpicão ganhou destaque fora do Brasil — e não pelos melhores motivos.

Durante o reality show culinário romeno “Chefi la Cuțite” (Chefs com Facas), a participante brasileira Suellen Carey apresentou o prato aos jurados. A reação foi de choque imediato. Antes mesmo de saber a autoria da receita, um dos chefs, o italiano Richard Abou Zaki, sentenciou que o prato só poderia ter sido feito por alguém que “não entende nada de cozinha”. Os jurados se recusaram a provar, demonstrando forte desagrado e surpresa diante da inusitada combinação de ingredientes.

A repercussão nas redes sociais brasileiras foi imediata. E ali, mais do que defender um prato, defendia-se algo maior: o direito à culinária afetiva, à comida que nasce da cultura e não da alta gastronomia.

O episódio escancarou uma diferença fundamental entre abordagens culinárias: nem toda comida precisa ser compreendida sob a lógica da técnica clássica europeia. O salpicão não busca equilíbrio ácido-gorduroso milimetricamente calculado, nem camadas complexas de sabor. Ele nasce do improviso, do que está disponível, da adaptação — traços marcantes e muito característicos da cozinha brasileira.

Na ceia de Natal, ele cumpre um papel inequívoco: refrescar, complementar e contrastar com as carnes mais pesadas. Seja com frango desfiado, legumes crocantes, maçã, uva-passa (a eterna polêmica!), batata palha ou versões mais contemporâneas, o salpicão persiste porque faz total sentido naquele contexto.

Talvez o equívoco não esteja no prato em si, mas na tentativa de analisá-lo fora de seu território cultural. A cozinha também é linguagem. E, como toda linguagem, exige repertório para ser verdadeiramente compreendida.

No fim, a enquete confirmou o que a mesa brasileira já sabe há décadas: o salpicão pode até dividir opiniões, mas dificilmente fica de fora da ceia. Porque Natal não é sobre impressionar jurados — é sobre compartilhar histórias, sabores e lembranças que só fazem sentido para quem está à mesa.

E isso, definitivamente, não cabe em uma prova de reality show.

Então, aproveitando o gancho e toda essa celebração à nossa culinária afetiva, trago agora a minha receita de salpicão, que é sucesso garantido em todo Natal! Já salva para não perder!

Salpicão de Frango Tradicional da Família (Receita Afetiva de Natal)
Essa receita é perfeita para refrescar a ceia e complementar as carnes mais robustas. É simples, deliciosa e cheia de memória afetiva!

Ingredientes:

•Para o frango:

1 peito de frango grande cozido e desfiado (cerca de 400g)
Cebola branca, ervas, sal e pimenta-do-reino a gosto
oFumaça líquida (opcional)

•Para o Salpicão:

120g cenoura ralada
100g de maçã verde ou vermelha pequena, cortada em palitos finos (opcional, mas eu adoro o toque agridoce!)
170g de milho verde escorrido
100 g de ervilha verde (prefiro usar ervilha congelada)
60 g de 30g de uvas-passas (30g de uvas-passas brancas e 30g de uvas-passas escuras, aqui a polêmica, mas na minha casa elas são bem-vindas!)
80g de azeitonas verdes picadas
20g de salsão (aipo) picado finamente (dá uma crocância incrível!)
50g de creme de leite UTH
300g de maionese de boa qualidade (ou mais, a gosto)
Salsinha e cebolinha picadas a gosto
40g de amêndoas laminadas tostadas (opcional)
20g de mostarda ancienne (ou mostarda amarela)
Suco de meio limão taiti
Raspas de limão
Batata palha para decorar e servir

Modo de Preparo:

1.Prepare o frango: Cozinhe o peito de frango bem temperadinho a gosto até ficar macio. Adicione fumaça líquida para trazer um toque defumado. Desfie e reserve.
2.Combine os ingredientes: Em uma tigela grande, coloque o frango desfiado já frio. Adicione a cenoura ralada, a maçã picada, o milho, a ervilha, as uvas-passas, as azeitonas, as amendoas e o salsão. Misture delicadamente.
3.Adicione os cremosos: Acrescente o creme de leite, a mostarda e a maionese à mistura. Mexa bem até todos os ingredientes estarem envolvidos e o salpicão ficar homogêneo e cremoso. Prove e ajuste o sal e a pimenta-do-reino, se necessário.
4.Finalize: Adicione o suco de limão, as raspas, a salsinha e a cebolinha picadas. Misture novamente.
5.Refrigere: Cubra a tigela com plástico filme e leve à geladeira por pelo menos 1 hora antes de servir. Isso permite que os sabores se incorporem e fique bem fresquinho.
6.Sirva: Na hora de servir, coloque o salpicão em uma travessa bonita e cubra generosamente com batata palha. Sirva imediatamente para que a batata palha mantenha sua crocância.



Por Amandha Silveira – Gastróloga, Sommeliére e colunista de gastronomia
Instagram: @amandhassilveira | www.amandhasilveira.com.br

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