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Notas de Sabor

Laurent Suaudeau: o sabor como linguagem e a técnica como ponte entre culturas

Em visita a Teresina, o renomado chef defende a cozinha como forma de comunicação e respeito às culturas locais

Em sua passagem por Teresina para a inauguração do novo bistrô com cardápio assinado por ele, o chef Laurent Suaudeau trouxe muito mais do que receitas — trouxe reflexão. Entre risos, memórias e histórias de cozinha, compartilhou sua visão sobre o papel do cozinheiro, a importância da técnica e o desafio de traduzir culturas por meio do sabor.

A vinda ao Piauí, segundo ele, foi um convite que o instigou desde o início. “Achei o conceito muito interessante: um espaço de convivência onde as pessoas possam beber, comer e apreciar — uma concentração do savoir-vivre, do saber viver bem”, explicou. Suaudeau destacou que cada região do Brasil tem sua própria forma de se relacionar com a comida, e compreender essa diversidade é essencial para que o trabalho de um chef faça sentido. “O que funciona em São Paulo pode não funcionar em Teresina.” 

Por isso, ele reforça que é preciso respeitar o comportamento local e adaptar o trabalho à cultura de quem vai recebê-lo. Ao falar sobre o processo criativo do novo cardápio, Laurent foi direto: “Eu não sou apenas um cozinheiro da cozinha francesa”. O que traz da França, diz ele, é o método, a disciplina e a reflexão. A escola francesa o ensinou o processo, não uma identidade imutável. É com esse olhar que vem construindo, há mais de quatro décadas, uma ponte sólida entre a técnica francesa e os ingredientes brasileiros.


Foto: Amandha Silveira No cardápio criado especialmente para o Piauí, Suaudeau priorizou produtos como carneiro, carne de sol e maxixe — ingredientes que, segundo ele, expressam a alma da culinária local. Mas faz questão de destacar que sua intenção não é competir com a cozinha regional. “Jamais vou cozinhar um capote melhor do que as cozinheiras piauienses”, admite com humildade. “Mas posso trabalhar com a galinha-d’angola aplicando técnica, sem assustar o cliente, valorizando o sabor e a identidade local.” Para ele, cozinhar é comunicar — e essa comunicação deve ser feita com sensibilidade: “O cliente precisa entender o que está no prato.”

Durante a conversa, o chef compartilhou um exemplo curioso sobre o processo de criação e adaptação cultural: um dos pratos originalmente batizado de Peposo — um ensopado toscano muito semelhante ao Bourguignon — só ganhou aceitação imediata quando recebeu o nome francês. “As pessoas já tinham referência, conheciam o Bourguignon.” Às vezes, não é a receita que muda, é a forma de comunicar. É preciso oferecer algo com o qual o cliente tenha conexão. Para ele, cozinhar é, acima de tudo, comunicar — e essa comunicação deve ser feita com sensibilidade.

A conversa, porém, foi além da técnica. Falamos sobre profissionalização, gestão e valorização da categoria. Com a serenidade de quem formou gerações de chefs, Suaudeau lembra que o sucesso de um restaurante não depende apenas de um nome famoso, mas do trabalho coletivo e da sensibilidade da equipe. “Não é a assinatura do chef que faz sucesso, é o trabalho do dia a dia. Um restaurante vende serviço.”

Em um dos momentos mais emocionantes da entrevista, ele refletiu sobre o papel do cozinheiro como transformador. “Nós somos transformadores do que a natureza nos oferece. É poético, mas é duro. Tem de se dedicar — corpo e alma. Porque, acima de tudo, levamos felicidade aos outros. Nem todos os ramos [de trabalho] têm isso. Mas é uma profissão rigorosa, com regras, disciplina e exigência física. Ainda assim, nesse mundo conturbado em que vivemos, se existe uma mensagem de paz, certamente ela está envolta da mesa.”

Sua mensagem aos jovens cozinheiros é um lembrete poderoso: humildade, disciplina e respeito sustentam qualquer grande cozinha. Ele acredita que, mesmo em um tempo em que a tecnologia avança sobre todas as áreas, a gastronomia continuará sendo um território profundamente humano. 

Ao final, o chef deixou uma reflexão sobre o futuro da profissão no Brasil: a urgência de fortalecer a representação entre chefs e cozinheiros. Destacando que ego individual ainda é um obstáculo. Falta uma representação de classe mais forte, colaborativa, que una os profissionais em torno de um mesmo propósito.

Em Teresina, Laurent Suaudeau mais uma vez mostrou por que é considerado um dos pilares da gastronomia mundial. Sua presença, suas palavras e seu olhar generoso deixam uma mensagem clara: cozinhar é, antes de tudo, um ato de escuta, respeito e amor pelo outro.


Por Amandha Silveira – Gastróloga, Sommeliére e colunista de gastronomia
Instagram: @amandhassilveira | www.amandhasilveira.com.br

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